Guia para visitar a cidade imperial de Fez, Marrocos

A cidade de Fez é uma das quatro Cidades Imperiais, ou seja, são as cidades de Marrocos que foram capitais das antigas dinastias daquele reino. E continua a ser um verdadeiro museu ao ar livre, com mais de 10 mil edifícios históricos. A medina de Fez tem mais de 1.200 anos, atualmente conta com mais de 450 mil habitantes, e é classificada Património Mundial da UNESCO, por manter muita da sua arquitetura primordial e recordar a sua história milenar.

Visitei Fez por duas vezes: em outubro de 2016 e em junho de 2017. A primeira viagem tinha começado em Tânger, passou por Tétouan, Chefchaouen e depois dirigimo-nos para Fez. Na estrada, as montanhas que nos fazem companhia, como cenário, são muito verdes, com plantações de azeitonas, pêssegos e amêndoas. Na beira da estrada há sempre muita gente a caminhar e muitos também vão pedido boleia.

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Quase a chegar a Fez surgem as laranjeiras e burros na estrada a carregar lenha e água. À medida que nos aproximámos a terra muda de cor. Estamos perto de terras vulcânicas e também de águas termais (que quebram o alcatrão da estrada principal) onde os marroquinos se “vêm livrar de pedras nos rins”, diz-nos o guia. Também há uma nascente que se chama “Fonte de Alá” para problemas de pele – e que fica um pouco antes de chegarmos ao centro de Fez.

Fez é o que se pode chamar de cidade das 1001 noites, com bonitos palácios e jardins, riads e as suas 20 mil fontes da cidade, arcos e portas monumentais. Chamou-se Fez-el-Bali e tem mais de 10.000 edifícios históricos registados, 185 mesquitas, madraças e palácios nas suas 9.400 estreitas ruelas. A cidade de Fez tem ainda o que chama de Cidade Nova, mais organizada, com grandes avenidas, lagos e árvores, ladeadas de restaurantes e cafés com esplanadas.

 

Sabia que Fez é a cidade imperial mais antiga de Marrocos?

Em 789, a situação geográfica faz deste ponto – na rica planície do Saïss, ao fundo de um pequeno vale aos pés da montanha Zalagh – um local pretendido devido ao seu desenvolvimento.
A partir de 817 – 818, existem duas vagas de povoamento que influenciaram fortemente o destino de Fez: de um momento para o outro, 800 famílias andaluzas, expulsas de Córdoba pelos Omeíadas, criaram o bairro dos Andaluzes (existindo ainda muita da arquitetura andaluza em Fez).

Depois disso, cerca de 2.000 famílias de Kairouan fugiram às perseguições dos Abássidas e criaram o bairro Quaraouiyine. Todas estas mudanças fizeram de Fez um centro importante, com grande desenvolvimento na vida urbana, ligada ao seu rio, que é alimentado por 60 nascentes, ou seja, algo raro em cidades marroquinas.

Também a marcar a história de Fez está a fundação da mesquita universitária Al Quaraouiyine, no ano de 857. Nos séculos seguintes, surgem as mesquitas, os foundouks, as residências luxuosas e as prestigiadas madraças (universidades), fazendo com que se mudem para a cidade artistas, letrados e estudantes vindos do mundo inteiro. A projeção cultural e espiritual de Fez é de tal forma grande que passa a ser considerada a “Atenas de África”.

Quando os Merínidas tomam o poder no século XIII, levantam uma cidade nova extramuros, Fez el Jedid, para acolher seus palácios e o méchouar (vasta praça de cerimónias e órgãos consultivos onde o soberano reúne os notáveis). Convertida em capital do império, Fez é o refúgio preferido dos imigrantes andaluzes muçulmanos e judaicos que aqui estabelecem o Mellah (Bairro Judeu).

Das 185 mesquitas a mais grandiosa é, sem dúvida, a de Quaraouiyine. Fundada por Fatima El Fihria, em 859, o seu nome provém do bairro que, na altura, era habitado pelos refugiados vindos de Kairouan (Tunísia).
A Mesquita Andaluza data de 860. Destaca-se pelo seu pórtico adornado com zellij e sua grade em madeira esculpida. A zaouïa Mulei Edrici protege o túmulo de Mulei Edrici II, fundador de Fez. É considerada a primeira universidade do mundo.

Datada do século XII, a Biblioteca Quaraouiyine possui, desde 1613, mais de 32.000 manuscritos, que muito contribuíram para a projeção da cidade enquanto capital do saber e da ciência, no Magrebe. Recentemente restaurada, soube conservar documentos raros e únicos no mundo, tais como obras de grandes cientistas como Averroes e Ibn Khaldoun.

As madraças (universidades corânicas) têm um importante papel, intelectual e científico, na cidade de Fez. A madraça Seffarine foi a primeira a ser fundada, no século XIII, e distingue-se das outras pela sobriedade da decoração.

A madraça Bou Inania (que visitei no interior) caracteriza-se pela sua arquitetura com suas madeiras de cedro, estuques esculpidos e decoração de mármore e ónix. Conta-se que Ibn Khaldoun (estudioso de diversas áreas da sociedade; nascido a 1332 – morreu em 1406) terá aqui dado aulas.

Construída em 1325, a madraça El-Attarine é uma obra-prima com a sua decoração extremamente fina (mármore esculpido e caligrafado, arcos em madeira, mosaicos requintados, arabescos). A madraça Cherratine, edificada pelo sultão Mulei Rachid no século XVII podia acolher até duzentos estudantes.

Os foundouks (caravansarás) cumpriam a função de local de intercâmbio comercial: alojamento e armazéns de mercadorias. Estão situados ao longo dos principais eixos da medina (Talaa el Kibira, Talaa Sghira, Ras Cherratine, Nejjarine) e perto das grandes portas (Bab Boujloud, Bab Elguissa, Bab Ftouh). A fonte prolonga suavemente o foundouk até ao centro da praça.

Fique atento nos passeios dentro da medina: entre as 70 fontes públicas, espalhadas pela cidade, poderá confirmar que muitas são perfeitas obras-primas da arte decorativa, como por exemplo a fonte Nejjarine, a do souk Hayek ou a fonte Qouas.

O museu Nejjarine das Artes e Ofícios da Madeira é um antigo fondouk restaurado. Da parte superior do terraço têm-se uma belíssima vista sobre Fez e sobre as colinas circundantes. Aliás, de quase todos os terraços se tem vistas panorâmicas sobre a cidade, inclusive das lojas onde os guias vão tentar levá-lo (porque ganham comissão) para ver as malas e casacos de peles – com vista para as tinturarias – ou a loja completa, com tudo e mais alguma coisa, distribuída por vários andares, com vista sobre os muitos telhados.

Uma dessas lojas, com muitos andares, e onde encontra tapetes, por exemplo, é a Dar Kettanine (Derb El Baraka Hay Kattanine).

COMPRAS EM FEZ

Os souks organizam-se em grémios: o Souk Attarine, é um dos mais animados de Fez, e já foi especializado na venda de produtos de medicina tradicional. Esta rua comercial tem duas monumentais portas de madeira.
No souk da Hena, vendem-se, há séculos, artigos de cosmética (ghassoul, sabão preto, khol, água de rosas, hena). Se procurar os bordados de Fez, as sedas, as babuchas e kaftans, encontrará tudo isto na kissaria Serrajine.

O souk Tillis é famoso pelos seus tapetes, o bairro Nejjarine pelos seus ebanistas (moucharabiehs, mesas baixas, poltronas, marchetaria) e os latoeiros da praça Es-Seffarine propõem pratos cinzelados, chaleiras e outros artigos em ferro, cobre e prata.

De manhã, vá visitar o bairro dos curtidores (curtume Chouwara). Nas alcaçarias vai ver as tinas com cores variadas, onde se tratam as peles para a produção artesanal do couro de carneiro, vaca ou cabra.

Dentro da medina, há peixe e carne à venda, patos e gansos passeiam no meio das ruas, onde nem burros são permitidos passar. Uma das coisas que mais me avisaram acerca de Fez é a forma como estão sempre a gritar “Cuidado” dentro da Medina. As ruas são tão estreitas que só os carrinhos de mão conseguem passar com mercadorias e é natural que tenha de se encostar muitas vezes às paredes para os deixar passar.

Numa outra parte do souk está tudo o que é necessário para a organização de um casamento em Marrocos, Os vestidos das noivas e noivos, os cestos de ofertas com frutos secos típicos, as lembranças para os convidados e… se vir uma espécie de trono, é para a noiva ser carregada – por homens da confiança do noivo – no dia do casamento.

O QUE VISITAR EM FEZ

O Palácio Real
O principal monumento de Fez é o Palácio Real, construído no século XIII. A vasta esplanada dos Alauitas, reparada em 1968, é onde agora ficam os grupos de turistas a admirar as portas douradas, finamente trabalhadas por artesãos, do Palácio.

O Mellah de Fez
O Mellah é o Bairro judeu e foi fundado depois do século XVI pelo sultão, para proteger a comunidade judaica da cidade. O bairro é atravessado pela Grande Rua, que reúne todos os tipos de lojas. As casas do Mellah distinguem-se das habitações muçulmanas pelas suas janelas sobre o exterior e as suas varandas de madeira e de ferro forjado. Aqui também encontram a sinagoga Ibn Danan, do século XVII, obra-prima do património arquitectónico judaico-marroquino.

Os palácios de Fez
No labirinto das ruelas da medina de Fez, esconde-se um milhar de palácios. Cada casa tem uma fonte central no pátio, um jardim andaluz ou jardim interior onde predominam o estuque, a madeira esculpida, os zellijs (azulejos), as arcadas rematadas de estalactites, grades de ferro forjado e as portas de madeira

O palácio Glaoui, residência secundária do pachá de Marraquexe, é constituído por 1000 habitações, dois jardins, 30 fontes, uma escola corânica, um hammam para homens e outro para mulheres, um moinho de óleo, outro para o grão e cavalariças. A cozinha, ao centro, comunica com os 17 edifícios. Tendo por único rival o palácio Mokri, diz-se que este será o mais belo palácio de Fez.

O palácio Mokri faz parte do património de Marrocos. Podem contemplar o trabalhado do ferro forjado esculpidos a cinzel por mestres. Os tetos e as cúpulas esculpidas e pintadas sobressaem, assim como os trabalhos de carpintaria barrocos, com o vidro areado de Veneza e cores de Bagdad.

Palácio Mnebhi

É um dos mais antigos monumentos da cidade imperial. No final do século XIX, os melhores artesãos e artistas marroquinos demoraram 15 anos a construir este edifício. Este palácio foi transformado em restaurante.

ARTESANATO EM FEZ

A cerâmica e o famoso «azul de Fez» salientam-se no artesanato de Fez. Saiba mais sobre as cerâmicas de Fez neste texto.

O bordado com o ponto de Fez: é uma arte, conhecida em Marrocos desde os Almóadas, tem como particularidade um ponto de dupla face. A técnica, inteiramente executada à mão, consiste em bordar os mesmos motivos tanto de um lado como do outro, de modo a que as duas faces sejam idênticas. A dimensão do ponto não excede 2 milímetros. Famosos pela qualidade do seu trabalho, os ateliês de bordado com o ponto de Fez vendem mantas, toalhas e xailes decorados.

As tinturarias de Fez são uma atividade tradicional e que permite trabalhar as peles que depois são vendidas em malas, casacos, etc.

CULTURA EM FEZ

– Festival de Música Sacra do Mundo e Encontros de Fez: criado em 1994, pretende transmitir o espírito de Fez, capital cultural e que valoriza o intercâmbio entre civilizações. Este festival é considerado um dos mais importantes festivais de música do Mundo. Em 2001, a ONU reconheceu a importância que este festival desempenha para a promoção do diálogo de culturas e religiões.
Abertos a um público amplo, os encontros fomentam intercâmbio, diálogo e debates no museu Batha.

– Festival Jazz nos Riads, nos palácios e residências da medina. Este festival é dirigido aos aficionados do jazz.

– Festival de Arte Culinária: realiza-se em outubro e durante três dias pode assistir a um desfilar de cozinhas do mundo.

ONDE DORMIR EM FEZ

Fiquei instalada no Hotel Les Mérinides, que tem uma vista panorâmica espetacular sobre toda a cidade e Medina de Fez. Também fiz lá várias refeições, nos seus diferentes restaurantes. Leia mais aqui sobre esse e outros hotéis de Fez.

O QUE COMER EM FEZ

Com a sua forte história e tradições, a gastronomia de Fez mostra a herança da cozinha árabo-andaluza do século XIII.
Combina sabores doces e salgados, utilizando muitos frutos, legumes e especiarias e condimentos como cominhos, coentros, pimenta, pimentão-doce, canela…

Alguns pratos mais tradicionais: pastilla de pombo e amêndoas (massa folhada muito fina recheada); a Mrouzia, originalmente preparado durante a festa do Aïd-el-Adha (“a festa do carneiro”), utiliza uma mescla muito original de especiarias; o Ras El Hanout, que significa literalmente “o melhor da loja”, contém entre 35 a 45 especiarias diferentes que provêm de Marrocos, do Oriente ou de África subsariana.